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terça-feira, 14 de setembro de 2010

Nossa Humilde Casinha...




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Quando você menos espera surge os aplausos

FLOR DE MINAS

Surgiu da mata aquele Oxossi caboclo, guerreiro, vindo do manancial de lança e arco nas mãos carrancudas, já mirando o meio daqueles olhos cinzentos tão cheios de ignorância e medo e então... Lançou mão de um torrão de terra esmigalhando no vento e bradou estridente num ranger de dentes trovoados... _Vai que Xangô se reuniu nas tendas da senzala feito cão bravo e acompanha o sol poente, e, segue que lá vem teu irmão que te jurou de morte... Pois que tu és santo diante da capoeira que o protege, amarra teu burro e se apeie da senzala e segue... Que lá vem seu justiceiro vingador, quem mandou ocê se envolver com Jurema Oxossi, eis que se apaixonou!

Uma tempestade se formou no céu, feito um pesadelo, quando os soldados de Ogum invadiram os campos empilhando corpos e ateando fogo no alambrado, enquanto aqueles coitados eram fuzilados por contendas de terras e políticas.

Ossanha escondeu seus protegidos e mesmo sob sua guarda foram muitos os que pereceram diante dos seus olhos.

Foi quando o chefe do terreiro o coronel ferido de morte, apontou na passagem, já nos seus últimos resquícios e disse-lhe com voz pesarosa...

_Levanta Negro e foge!

Durante todos esses anos tu tens me favorecido, tens sido meu pau mandado... Segue agora, não pára, esconda-se na relva até que amanheça e esteja seguro na caatinga e siga pro norte.

Apresente-se a embarcação que imigra de Portugal para o Brasil...

Usa meu nome minhas roupas e minha carta de apresentação, mais esse saco de moedas para burlar sua ida e pede pra Iemanjá que o proteja, pois estou ferido de morte já caminhos entre os anonimamente foram esquecidos no além, nada mais me resta do que fazer um último ato de bondade, a fim de ser recebido por qualquer alma que me ceda o acalanto sem temer mais ainda minhas aflições.

A história se confunde quanto a suspeita de que um coroné de lavouras, guiado pelo escravo fiel, seguir na companhia de um negro fujão em direção a praia.

Um velho coronel da mata, um marujo cansado banido dos confins do regime Francês, amparado pelo capataz, alcançara à embarcação de simpatizantes portugueses que os resgataram a deriva.

Provavelmente o velho coronel tenha sucumbido talvez até mesmo antes do raiar do dia.

E o negro fujão se apossara das suas vestes e patentes para tentar a sorte em outras paragens.

Vindo como imigrante erradico das lavouras africanas de algum lugar de alguma estância perdida dos mapas onde a lei e a ordem dizia respeito a uma garrucha de dois tiros, chibatadas ensangüentadas e uma lâmina afiada de pouca conversação.

Onde muito sangue, suor e desdita dilaceravam o couro e os sonhos dos aflitos. Um matador desses acostumados na brenha, perdido naqueles confins, Anônimo entre outros sujeitos.

_Teu nome é Ramiro? _Inquiriu o Capitão. _Ramiro do que! _E Ramiro mal sabia ler ou escrever seu nome na língua nativa, sequer saberia pronunciar-se diante do capitão.

Resumiam os corsários como uma prece do mar, afasta-te do pélago, não queira ser peixe se não sabes nadar, oh neguinho! Se quiseres aventura lança-te ao mar, mas se busca segurança atola teus pés na areia...

_Levem-no para o tombadilho agora mesmo!

_No entanto suas preces foram ouvidas, pois o capitão acometido de mal súbito, precisou urgente de um doutor e lá foi o negro curandeiro de chapéu encanecido acudi-lo com suas ervas e mandingas.

_Não quero saber de macumba, nem bruxaria, nem muito menos de vodu e se alguém insinuar que havemos com um mandingueiro, este será lançado ao mar para que não traga de infortúnios.

E então como ressalva caíra nas graças do comandante da embarcação como aclamado doutor do invisível, por isto mesmo alguns o apelidaram simplesmente de o Coroa. Pois diante de qualquer situação inesperada, erguia suas mãos arcando o chapéu sobre o semblante e dava respostas aos enigmas da vida com a simplicidade de um mestre santo. Guiné, arruda, manjericão, malva, eram seus utensílios cirúrgicos_ Que nome estranho, parece uma mistura de espanhol com francês, não parece senhor doutor, pensei, por debaixo dessa cor tem muitos segredos! Vou te chamar de Senhor Coroa é mais fácil de te achar no meio de tantos negros! _Sua pele escura suada, reluzente, brilhava com o sal amargo das muitas viagens e o sol escaldante do mar alimentava sua vontade de viver. Era o mais velho dentre os marujos e com o tempo ganhava a amizade e o interesse dos demais em suas desventuras, outros o conheciam apenas por curador mandingueiro, suas mãos adornavam encantos e mistérios, havia alívio naquele homem, e desta forma era mais fácil pronunciar seu nome.

O chapéu do coronel marujo, aquele chapéu que evitava soleira. Aquele chapéu salvara a sua vida, por que ninguém fazia perguntas a alguém que usava um chapéu que cobrisse os olhos, os olhos de um negro são sempre enigmáticos, um senhor da mata curando em alto mar, protegido do invisível.

A aruanda lhe deu asas, Dona serpente. E, ele voou.

Ora a tempestade cessava diante daquelas preces garridas, ora a boa pescaria só acontecia diante dos seus alentos.

Até mesmo o vento nitidamente se calava quando percebia o negro lobo do mar na proa da embarcação, serenando as mãos como a tocar uma sinfonia ao altíssimo.

Lá por volta de 1915 e 18, o negro fugiu do seu passado e veio pro Brasil do Espírito Santo de antigamente seguiu caminho se afeiçoando em Minas Gerais.

Confundindo a língua portuguesa engolindo palavras e reflexões, chegou a Colatina, dizia ser francês, espanhol ou português, pouco importava donde vinha, ou pra onde ia, um prato de comida em qualquer lugar do mundo lhe cabia como agrado e suas andanças o guiavam aonde quer que fosse, mas ainda assim sua cor era a mesma tão negra quanto sua alma triste.

Um dia desses, surgiu naquelas paragens, aquele homem de olhos cinza azulados, mais balbuciando que sabendo pronunciar o próprio nome.

Percebia-se a simplicidade de seu sotaque com indiferença.

Retirou de pronto o chapéu da cabeça levando-o ao peito, cumprimentou com sorriso a todos e orando rabiscadamente olhando o céu lá longe.

_Eu vi chover, eu vi relampear, mas mesmo assim o céu estava azul, tamborilaram as folhas da Jurema, Oxossi reina de norte a Sul!

Pisa na linha de Umbanda que eu quero ver, Ogum Iara, pisa na linha de Ogum Megê!

_Não demorou muito fez amizade com Sebastião Anacleto, o Seu Tião. Tantos costumes estranhos a sua concepção racial.

Tião Anacleto na hora da cesta passava um tempo por ali, vinha lá da madeireira São José numa charreteira de lambril encanecido e barulhento guiada pelo animal, o carroça parou na estrada e não tinha santo nesse mundo que fizesse o jumento andar...

Foi quando o negro se aproximou com palavras roçadas e cochichou algo no ouvido do jegue e o danado parecia ter saído do pasto novinho em folha com os quartos rugindo como se carente de um elogio sincero e uma bateria de empolgação entocada no rabo.

_O que disse na orelha desse animal, seu moço? _Apenas agradeci-lho pelo seu trabalho exaustivo! _Comentou Ramiro oferecendo seu gibão de água ao burro. _E ele lhe respondeu? _Sim me pediu água fresca e que em seguida voltaria a seus tormentos e afazeres.

_Seu Sebastião se sentiu a vontade com o homem negro que falava enrolado e redargüiu hilário. _Então vossa senhoria é capaz de falar com os burros?

_Não meu senhor apenas consigo interpretar algumas de suas aflições temporárias. _Anacleto ria para se acabar, tentando segurar os soluços e o convidou para se refrescar em sua casa ali perto.

_Meu amigo assustara-me, pois logo, estava crente que o observava a falar com o bicho. Porventura não seria um desses bruxos que a igreja condena? Se não tiver onde pernoitar, pode se alojar por aqui mesmo até se aprumar, pois aqui não lhe faltará serviço...

Qualquer homem que dê tanta atenção assim para um velho animal preza as coisas da natureza e aos meus olhos são bem vistos! Não terás problemas com a lei e nem com a paróquia local se me tens como amigo.

_Concatenou Anacleto, o mineiro lenhador, agradecido com o desajeitado senhor de cor.

Logo os dois senhores estavam em casa, quando Anacleto Plalon, contando um pouco de suas historietas envolvia-se mais e mais com Coroa.

Foi quando o negro Francês pousou seus olhos miúdos numa seqüência de fotos sobre alguns caixotes vistos como móveis e utensílio naquele humilde lugar.

_Eu tenho três meninas _disse-lhe Tião buscando palavras. _E tu tens filhos e esposa de lá donde vens? Qual a sua cidade!

_ Eu não tenho lugar algum, minha aldeia há muito sucumbira, junto dos meus queridos compatrícios!

_E onde ficava essa aldeia seu Coroa? Em algum canto da África, senhor! Eu fui retirado da aldeia quando ainda menino e se Uganda foi amarela um dia, eu só me lembro do vermelho.

_Colatina ainda será uma grande cidade, mas até lá muitos sucumbirão nesses arvoredos e pedreiras!

Quando a mãe das meninas morreu, Florinda tinha apenas oito anos, tenho mais outras duas filhas, logo após a morte da minha querida Tereza, a do meio, essa endoideceu de vez com a tragédia, ta internada num sanatório em outra cidade...

A terceira das irmãs Maria, fora morar com os parentes da mãe, eles são bem de vida, e, Florinda sendo a mais velha das três, resolveu ficar disse que ia cuidar da casa e de mim.

De lá pra cá é moça prendada, logo irá arrumar um bom partido e quem sabe ter um pouco mais de ânimo na vida, falta-lhe entusiasmo seu moço, e, um homem caprichoso.

Cozinha, passa, lava, e faz um café que tira o coro do gato.

A primeira vez que me preparou o café este tava tão quente que cuspi fora, acertei aquele despelado que vai ali.

Coitado do gato e da minha língua também!

Falando em coisas ardentes! Gosta de uma cachaça de barril seu Coroa? _Prefiro o café.

Aqui se diz alambique, cachaça de alambique...

_Essa é a terra da melhor água-que-passarinho-não-bebe que se possa encontrar seja no barril ou no alambique.

_Argumentou Anacleto.

_Logo, o Coroa Ramiro conheceria a Flor mais bela da sua vida resumida numa mulher ainda menina de doze anos apenas e se apaixonaria por ela. Dona Florinda, assim ele a chamava.

Algum tempo depois. Aquele homem de pele negra e cabelos brancos de chapéu esgarçado, cobrindo os olhos cinzentos, surgindo diante da menina flor de Minas.

A menina a beira da lagoa, tal uma branca de neve vestida em pano ingênuo; diante do rio lavando e torcendo suas roupas, com os joelhinhos surrados, atarracados ao chão de pedras.

Adiantou-se em ajudá-la com as roupas enxovalhadas. Dizendo para si mesmo que aquela garotinha era a moça dos seus sonhos.

_Dona Florinda posso ajudar a carregar sua trouxa de roupas!

_Suas mãos estão limpa pelo menos! Não, não estão! E para o senhor meu nome é dona Maria.

...

Ramiro, o Coroa, veio para ficar e acompanhá-la até que amadurecesse a mulher naquela menina sem seios e de cabelos longos e que ela seria sua esposa no futuro.

...

Ramiro já conversava mais no português daquela língua e entendia menos do francês da corte de sua bagagem imigrante.

...

Os anos se passaram Sebastião por mais saudável e forte...

Certa vez, aquelas toras de mourão que carregava com facilidade na madeireira, caíram-lhe sobre as pernas.

E em cima de uma cama se viu prostrado desde então.

...

Ramiro foi trabalhar numa das minas de carvão para ajudar no custeio da casa e acompanhou o amigo Sebastião desde o primeiro fio de cabelo branco até após o último suspiro daquele lenhador.

...

Viu a pequena flor crescer e ter seus filhos e seus netos com outro homem, se tornou pai sem ter filhos, fez-se conselheiro, protetor e amigo.

E um dia eu já era adulto o suficiente para dar testemunho em seu casamento com Florinda Martins, nossa Flor de minas...

Meu avô Ramiro, o velho Coroa.

Ramiro, o coroa, chegava às vezes com o filão de pão enrolado em papel manteiga, abria sobre a mesa e quando eu ainda aprendia colocar perninhas no “a” e soletrar vogal, dizia carinhosamente: _ Pinta algo para o vô ver, eu tinha meus seis anos.

Um pequeno passo para o homem, um enorme passo para a humanidade; Era o ano de 1969, enquanto Armstrong pisava na lua, um de meus pés tocou o asfalto da rodoviária da Luz, em São Paulo no antigo terminal da Avenida Duque de Caxias no centro velho, era tudo tão colorido, tanta gente estranha, tanta solidão.

Mas não havia medo, meu avô segurava minha mão.

Caetano Veloso cantava Sampa no teatro municipal na companhia de Vicente Celestino que se declarava um ébrio apaixonado, com sua música e voz sensibilizou o mundo de outrora e meu avô era a poesia da cabeceira da cama com ensinamentos e historietas.

Vi algumas lágrimas descerem daqueles olhos tristes e nenhuma palavra concatenou aquela dor, aqueles lábios ressequidos se calaram para o mundo, quatro vezes derrame, cento e vinte e cinco anos fecharam os olhos daquele coroa que me ensinara a nadar num mar de escuridão.

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